Linguagem fotográfica e impermanência

A fotografia é frequentemente considerada uma linguagem visual. A "mais literária das artes gráficas" é, no fim das contas, um sistema formal com uma estrutura comumente aceita e motivos reconhecíveis. 

Ezra Stoller ao utilizar a analogia da "fotografia como linguagem" posiciona o fotógrafo de arquitetura entre o arquiteto e o público, no papel de intérprete e comunicador da ideia arquitetônica. Tal abordagem traz várias perguntas: quão idiossincrática pode ser essa interpretação, quanto ela depende da linguagem visual do fotógrafo, e finalmente, se as particularidades de um espaço arquitetônico convidam ou proíbem o uso de um vocabulário fotográfico específico. Embora nos cinquenta anos desde que Stoller escreveu esse artigo as plataformas de mídia para a arquitetura tenham explodido em número e variedade, continua sendo verdadeiro que comunicamos arquitetura principalmente pela imagem. Ainda assim, ao invés de testemunhar um crescimento dos "dialetos" fotográficos, é o oposto: uma homogeneização cada vez maior das imagens, muitas vezes impulsionadas pela necessidade de apresentar a arquitetura como um produto visual facilmente consumível, que pode sobreviver a ciclos curtos de atenção em um ambiente de informação saturada. Embora abordagens alternativas existam, elas tendem a operar nas franjas da fotografia arquitetônica comercial, empregando as construções como um elemento pictórico em um fazer fotográfico que não se preocupa, em princípio, com a comunicação arquitetônica. Esse tipo de fotografia é raramente, se muito, comissionado por arquitetos, e pertence principalmente ao mundo das belas artes. 

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Kengo Kuma Architects & Associates, Water Glass in Atami, Japan. Photography © Erieta Attali. Image

Em vez de oferecer uma representação descritiva de prédios e paisagens específicas, eu escolho, como fotógrafo, focar nas relações entre a arquitetura e seu ambiente continuamente em transformação. A arquitetura em minha experiência como fotógrafo é utilizada como uma lente que reflete, filtra e traduz a paisagem; no entanto, simultaneamente, as construções humanas são tratadas como "objetos encontrados" que se renderam à natureza, liderando o olhar do fotógrafo para explorar e repensar o mundo. 

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Kengo Kuma Architects & Associates, Glass Wood House in New Canaan, USA. Photography © Erieta Attali. Photography © Erieta Attali. Image

Frequentemente, emprego materiais em arquitetura como o vidro e as camadas sobrepujantes de reflexões para capturar a multiplicidade dos pontos de vista. Embora isso aconteça quando eu fotografo o trabalho do arquiteto Kengo Kuma, a metodologia é ampliada pela inclusão de elementos naturais transparentes, assim como a justaposição e a combinação de várias fotografias em díptico e na técnica de colagem. 

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Dan Graham, Heart Pavilion in Philadelphia, USA. Photography © Erieta Attali. Image

A ideia de permanência e a ilusão relacionada de estar fora do tempo é comum na fotografia de arquitetura; ela normalmente produz entidades fotogênicas que são autossuficientes, autoexplicativas e desconectadas de qualquer noção de senescência.  A arquitetura, no entanto, diferente de seus avatares fotográficos, não parece ser permanente em nenhuma maneira; incontáveis geografias humanas já apareceram e se foram, pontuando paisagens naturais com ruínas enquanto seguem um ciclo inevitável de decadência e renovação. Os materiais envelhecem e degradam; a vida vegetal cresce para retomar qualquer espaço onde houve atividade humana. São os ícones mediados de singularidade e permanência que não reconhecem variação temporal ou contexto situado, o que o arquiteto japonês Kengo Kuma escolhe chamar de "objetos". A arquitetura, entretanto, não é imutável, ela reage diariamente às transformações sasonais, inevitavelmente encrustadas em algum tipo de ambiente, seja ele natural ou artificial, ou ainda um substrato cultural. As exigência de demandas são definidas por condições climáticas locais, materiais disponíveis e estilos de vida estabelecidos. Embora a imagem possa desfrutar de autonomia e possa ser avaliada como um objeto isolado, a realidade da arquitetura é uma rede emaranhada de dependências, que mudam através do tempo e sem o qual não podemos ter um entendimento completo do espaço construído. Uma consciência desse contexto não apenas nos oferece um entendimento melhor da arquitetura que é fotografada; também oferece um vislumbre sobre os processos naturais que agem sobre ela e, conceitualmente, formaram seu conceito original. 

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Kengo Kuma Architects & Associates, Coeda House, Japan. Photography © Erieta Attali. Image

O que espero contribuir para o campo sempre em expansão, mas não necessariamente em diversificação, da fotografia arquitetônica, é comunicar tanto as preocupações do fotógrafo quanto as do arquiteto em relação ao público mais amplo, e abrir diálogo para o uso da fotografia como uma ferramenta interpretativa no estudo do espaço. A fotografia arquitetônica tem uma capacidade subutilizada de capturar transições portanto informar o observador - ou o arquiteto - da rica rede de interrelações entre a construção e seu conceito. O uso da fotografia de arquitetura como uma ferramenta de análise demonstra além disso seu potencial como uma linguagem visual com flexibilidade considerável; uma linguagem que saúda a manipulação em um trocadilho ambíguo, testando deste modo não apenas o limite do meio e seu expressivo espectro, mas também a percepção do que é finalmente real, fiel, ou que seja uma representação fotográfica útil da arquitetura. 

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Kengo Kuma Architects & Associates, Private House, Japan. Photography © Erieta Attali. Image

[i] Evans, Walker. "Photography." The Massachusetts Review 19, no. 4 (1978): 644-46
[ii] Stoller, Ezra. “Photography and the Language of Architecture." Perspecta 8 (1963): 43-44.

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Sobre este autor
Cita: Attali, Erieta. "Linguagem fotográfica e impermanência " [Photographic Language for Impermanence ] 07 Mar 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Belo, Pedro) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/977475/linguagem-fotografica-e-impermanencia> ISSN 0719-8906

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